Sociologia e Antropologia
SOCIOLOGIA GERAL
Introdução ao Estudo da Sociologia
Prof. Dr. José Renato Polli
1. Introdução e Objetivos
2. Surgimento da Sociologia
3. Formação Histórica da Sociologia
1. Introdução e objetivos
Lenta, mas irresistivelmente, grande parte dos Sociólogos da América Latina, que não se contentam em fazer sociologia em salas de aulas e gabinetes de pesquisa, mas andam em ônibus, saem às ruas, se fazem bóias-frias com os bóias-frias; se convenceram de que não podiam mais permitir que a sociedade se vendesse ao jogo da opressão, de uma tecnoburocracia desumana, promotora do desemprego, dissiminadora de milhões de favelas ao lado de mansões para fim de semana... Era preciso e urgente mudar o enfoque e o lugar social de onde se fazia Sociologia, oferecendo serviço intelectual orgânico aos segmentos excluídos da sociedade.
Isto se tornou condição de honra para uma Sociologia que quisesse ser honesta consigo mesma, continuando a ser o que dizia ser: apreensão, compreensão e explicação da realidade e não ficção ideologicamente criada para mascarar o duro desumano-realismo dos fatos, Por isso, a Sociologia para nós pretende ser:
a) Uma ciência para apreender e compreender a sociedade como um todo, no seu amplo contexto enquanto macro-sociedade.
b) Enquanto trama variada e múltipla, complexa e problemática de inter-relações de grupos, classes, em interação geralmente conflitante e antagônica.
c) Em cinco momentos e dimensões: Epistemológico (provocadora de um método de conhecimento ou ciência), Diacrônico (movimento ou processo histórico através do tempo), Sincrônico ( Sistema até certo ponto invariável e organizado de relações e funções), Dialético (processo de relações conflitantes e divergentes) e Projetivo (projeto ao menos latente e implícito de futuro)
Objetivos:
O que se pretende com o estudo da Sociologia? Para que estudar Sociologia? Para que serve a Sociologia?
O homem é pessoa, um ser que “soa por”, “é por” em si mesmo relação, um ser social que está inserido no concreto-histórico das relações. Estudar Sociologia ajuda-nos a:
a) CONHECER-NOS: quanto mais nos conhecemos, mais seremos “pessoas”e conheceremos a sociedade em que vivemos, sua organização, conflitos, desajustes e anseios, expectativas que se transformam em projetos alternativos, talvez não realizados, mas sonhados. A sociedade nos molda à sua imagem e semelhança. Assim somos.
b) CONHECER A REALIDADE HISTÓRICO-SOCIAL
c) AGIR NA SOCIEDADE: para questionar com rigor científico as relações sociais, a organização da sociedade, seu sistema ocidental-capitalista-excludente, organizando-se em grupos, agindo politicamente para transformar as relações de dominação e conflito entre grupos.
d) SER REALISTAS: agir com os “pés no chão”, tendo senso de oportunidade, procurando conhecer a realidade concreta, suas possibilidades e limites, agir de forma coerente, evitando o idealismo utópico sem senso de realidade histórica.
Fundamento:
“O fundamento ou função indispensável da Sociologia é botar a cabeça da ciência nos pés da História e os pés da realidade na cabeça do pensador, ou seja, rechear o pensar de realidade histórica-social, não correndo o risco de abstração, sendo realista, descobrindo seus compromissos e interesses às vêzes não conscientes. A Sociologia dá elementos para a reflexão sobre a realidade, para que esta seja crítica, rigorosa e de conjunto.”
Método: É necessário VER a realidade, JULGAR a realidade e AGIR sobre a realidade.
Cosmovisão (ótica): Não existe ciência, pensamento e ideologia desinteressada ou neutra, todas respondem a algum interesse e têm um lugar social. Há, portanto, vários modos e perspectivas a partir das quais podemos apreender, entender e explicar a sociedade:
- a partir do ponto de vista de um grupo no interesse em defender, manter e conservar a sociedade tal qual ela se apresenta.
- a partir dos interesses e do lugar social dos segmentos periféricos, identificando-os com uma visão crítica, menos conformada e interessada em transformar a realidade.
Portanto, a ótica será a da perspectiva crítica e problematizadora “que consiste em explicitar a realidade apontando suas contradições e assumindo uma atitude de transformação da mesma a partir do lugar social dos segmentos periféricos da sociedade, evitando que esta ótica prejudique a visão objetiva e crítica, científica, da realidade social”.
2. Surgimento da Sociologia
A Sociologia tem se apresentado como ciência desconhecida e contraditória, as opiniões a respeito são curiosas e conflitantes: 1. É confundida com Filantropia e Serviço Social, 2. É vista como ciência que complica e faz estatísticas, 3.É confundida com seus preconceitos: criticismo sem soluções, 4. É vista como ciência a serviço do poder e 5. É vista como “ciência crítica”.
Vamos saber definir melhor Sociologia como ciência através do processo histórico e social, que nos revela suas contradições . Veremos que nesse processo histórico predominou uma visão da ciência burguesa e justificaremos a escolha da Sociologia como ciência dos segmentos periféricos, transformando sua ótica.
O método será empírico, a Sociologia do conhecimento, definindo os objetivos e a natureza da Sociologia diante das demais ciências.
A ciência não nasce do vento, mas é fruto de processos históricos, das relações humanas; nasce inclusive para explicar ou melhorar o processo, se bem que na maioria das vêzes é mal utilizada.
Mas, a Sociologia não surgiu apenas para explicar as relações humanas ou o processo histórico, também existe para interferir, para ajudar a transformar a realidade, num processo político de mudança das relações entre grupos. Estudaremos a Sociologia tentando observar históricamente sua postura como ciência nos diversos períodos, entendendo que ela surge apenas no século XVIII; veremos se ela altera ou mantém as relações de poder, suas posições, suas orientações, linhas, escolas, tendências, o que pretende, o objeto, o método, os objetivos e porque as opiniões a seu respeito são tão divergentes.
Origens:
A Sociologia surge como resultado histórico de três revoluções entre si relacionadas que já se processavam historicamente na sociedade medieval: a Revolução Industrial, a Revolução do pensamento e da Cultura e a Revolução Social (Revolução Francesa de 1789).
A Revolução Industrial
Marca o triunfo do uso da técnica na produção, consistindo numa nova forma e sistema de propriedade – diferente do feudal – que significa a expoliação de bens de produção (terras, ferramentas, máquinas e capital financeiro) até então nas mãos de muitos, reduzindo-os à posse de poucos proprietários industriais: a burguesia capitalista. Surge, então, uma nova relação de propriedade e trabalho entre uma imensidão de despossuídos que são obrigados a vender sua força de trabalho e os proprietários das fábricas.
A produção em escala, em massa, planificações, disciplina, controle, são exigências das novas formas de produção que irão gerar transformações sociais:
a) desaparecem os pequenos proprietários rurais, que viram trabalhadores
b) acaba o regime de servidão feudal
c) são exterminados os artesãos (proprietários e produtores) por causa da industrialização
d) é provocado o êxodo rural para os grandes centros
e) surge a divisão social do trabalho
As consequências estão no nível da desintegração da moral devido às grandes concentrações urbanas com nenhuma infra-estrutura, aumentando a pobreza e a precariedade das condições de vida, o trabalho forçado (até para mulheres e crianças) para sobreviver. Isso faz gerar a desintegração dos costumes, gerando a prostituição, o alcoolismo, o infanticídio, o suicídio, a criminalidade, a violência e as epidemias que dizimam populações inteiras.
Surge uma reação instintiva e desorganizada: quebrar máquinas, destruir fábricas(ludismo).
Aos poucos os trabalhadores foram entendendo as novas transformações sociais e percebendo o conflito entre classe operária e burguesia industrial em nível amplo. Começa a elaboração de projetos para uma nova sociedade. Criam-se associações, sindicatos, jornais e literaturas operários criticando o capitalismo e inclinando-se para o Socialismo.
A Revolução Cultural
É uma consequência direta da Revolução Industrial. Na ciência vai surgir um rompimento com o determinismo religioso, organizando o saber, criando métodos de pesquisa, comprometendo o homem com a dúvida metódica. É o desencanto e a crítica à autoridade e ao poder, revolta com as instituições e instâncias de poder, a confiança na capacidade e na razão humana. O Racionalismo e o Iluminismo são expressões filosóficas da época.
A Revolução Social
Faz culminar o processo das revoluções anteriores. Enquanto a Revolução Industrial reve la uma nova ordem econômica e a Revolução Cultural uma crítica aos valores e uma nova consciência moral, a Revolução Francesa de 1789 é a demonstração dos conflitos surgidos nessas mudanças, um desfecho jurídico e político.
A luta de fundo é a luta entre a sociedade medieval (nobreza, clero, artesãos) e a sociedade industrial ( burguesia e trabalhadores). A burguesia industrial fez recair toda culpa da miséria social, nas estruturas injustas, no modelo feudal. Num jogo de poder, convence aos trabalhadores desse fato e os alicia para lutar contra um “inimigo comum”.
De mãos dadas, burguesia e trabalhadores ganham o poder, destruindo as antigas formas de relações sociais e consolidando um novo regime industrial capitalista e burguês. Porém, na hora de “repartir o bolo”, os trabalhadores são deixados de lado. A Revolução, embora feita também por eles, não é feita para eles.
Há uma transferência da dominação, da escravidão-servidão feudal para a escravidão industrial, mais desumana, fria e calculista.
Num primeiro momento após a revolução social, a Sociologia torna-se ciência burguesa, conservadora de valores burgueses, legitimando a nova ordem social.
Mas , na defesa “filosófica”anterior, os iluministas atacaram tanto o regime feudal e suas “injustiças”, numa luta pela liberdade do homem, que quando a burguesia assume o poder, teme pelo que foi dito.
Assim, os segmentos menores da revolução tentam reverter seus rumos, através de pressões e revoltas sociais.
A filosofia iluminista foi rejeitada, começam as tentativas de conter os avanços da revolução rumo ao Socialismo. Criam-se empregos e o “contrato de trabalho”, com a ciência sociológica encomendada para providenciar mudanças na teoria sobre a sociedade, criando leis conservadoras e legitimadoras do novo sistema.
Surgem os conceitos de “integração”, “coesão”, “ordem”, “autoridade”, “hierarquia social”, “importância da família”, para se evitar falar em “igualdade”, “fraternidade” e “liberdade” e evitando a discussão sobre a realidade.
A Sociologia serve como ciência que cria teorias abstratas sobre a realidade. Não sobrou lugar para uma Sociologia crítica e revolucionária dos trabalhadores. Nem por isso o operariado deixou de pensar e lutar por seu projeto de análise social, sempre apoiado pela corrente socialista que deu referencial teórico e crítico para a “práxis” (teoria e prática) revolucionária em busca de uma nova sociedade.
3. Formação Histórica da Sociologia
A ciência como ato humano se dá dentro do processo histórico-social de relações de grupo em confronto, portanto, visões e teorias científicas estão ligadas aos interesses de cada grupo, surgindo assim as correntes e escolas.
Do surgimento da Sociologia no século XVIII até sua consolidação como ciência no século XIX, três classes se confrontam na sociedade:
a) remanescentes da sociedade medieval: nobreza, clero, corporações de artes e ofícios e servos agrícolas que não desapareceram imediatamente.
b) a burguesia industrial agora no poder.
c) os trabalhadores, inicialmente aliados da burguesia, depois seus adversários.
Em consequência, formam-se três correntes na Sociologia:, cada qual defendendo os interesses de sua classe:
A Sociologia retrógrada – Se preocupa com as posições feudais em decorrência do período de transição entre feudalismo e capitalismo. Seu principal representante é Edmund Burke (1729-1797).
Objetivos: criticar o novo projeto de sociedade elaborado pela burguesia industrial, defendendo a estrutura social medieval
Teoria Social: Salvar a ordem social a estabilidade e a coesão, enfatizando a importância da autoridade, hierarquia, tradição, valores morais, estruturando a sociedade na religião, família, corporações e grupos sociais para a manutenção da ordem.
Sociologia reformista-conservadora - É fruto da mentalidade burguesa vitoriosa na luta pelo poder, reflete a situação de crise da sociedade medieval, buscando apoio nos trabalhadores, lutando por um projeto burguês-industrial de seu interesse. Seus principais representantes são Saint- Simon (1760-1825), Auguste Comte (1798-1857), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920).
Objetivos: defender e preservar uma nova ordem social burguesa industrial, criando uma nova elite: os cientistas e os industriais, que trabalharão na criação de um novo conjunto de idéias e crenças para a reforma social.
Teoria Social: responder aos conflitos com pressão e controle, melhorar as condições de vida, conduzir os operários conforme a mentalidade produtiva, dizer que o progresso econômico acabará com os conflitos e trará a paz, criar a Sociologia.
Tarefa da Sociologia: orientar e conciliar as relações de propriedade, produção e comércio, criar o pacto-social, a ordem e o progresso, criar leis imutáveis e fenômenos constantes de progresso e desenvolvimento para orientar a conduta dos operários.
Método: os mesmos das ciências exatas: observação, experimentação, coleta e análise de dados.
Importância da Sociologia: é o coroamento da evolução do pensamento científico que passou do estado Teológico ao metafísico ao seu estado de maturidade, o POSITIVO (empírico) – a lei dos três estados do positivismo de Auguste Comte.
A Sociologia Revolucionária – Surge das lutas dos trabalhadores na sua situação de expropriação, confisco, dominação econômica e política, através de mecanismos repressivos, para a imposição de valores burgueses, da exploração e da miséria. Os principais representantes são Proudhon, Owen, Fourier, Lessale, Babouef, Cabet, Karl Marx (1818-1883) e Engels (1820-1903).
Objetivos e teoria social: Preocupação com a situação de crise, exploração e miséria. Pretende a superação das posições retrógradas e reformistas, renovando radicalmente a estrutura social e criticando a sociedade burguesa capitalista.
Duas Correntes: Socialismo Utópico e Socialismo Científico.
Socialismo utópico: em tese há uma concordância com o projeto global da sociedade industrial capitalista, criticando a dominação, a exploração, a miséria e exigindo reformas amplas. A desigualdade, a injustiça, a pobreza são “ocasionais” e não “estruturais”, defendendo uma melhor distribuição das rendas.
Socialismo científico: critica o socialismo utópico e o capitalismo, defendendo a posição de que a opressão e a injustiça são estruturais e jamais sanáveis dentro do sistema capitalista. O socialismo utópico é inofensivo, apolítico, sonho romântico. O marxismo é uma crítica radical que pretende destruir o projeto capitalista, começando pelo sistema econômico, passando ao social, ao pensamento, a ciência, a cultura, aos valores, etc.
(Baseado nos estudos de Francisco Vianna, PUCCAMP).